segunda-feira, agosto 24, 2015

Assador com carne mas sem brasas

Uma jornada desprovida de triunfos dos três 'grandes' é algo verdadeiramente incomum. É lógico que não se pede que, à 2. jornada, o futebol praticado tenha a qualidade que se exige aí com mais um mês de competição em cima, mas há um mínimo de qualidade e de constância que, principalmente, quem joga para o título deve produzir.

Sendo certo que nenhum dos candidatos ao título venceu nesta jornada (FC Porto e Sporting empataram na única grande falha que os seus defesas cometeram e, por sua vez, com várias ocasiões de golo perdidas), houve um cujo futebol praticado meteu verdadeiro dó e esse foi o da única equipa que perdeu: a do Benfica.

O triunfo por 4-0 ao Estoril trouxe a ilusão de que, conforme indicara Rui Vitória na conferência de imprensa que antecedera esse encontro, a equipa começava a "entrar nos eixos", mesmo que somente durante 15 minutos e só depois de o técnico visitante, Fabiano Soares, ter mexido muito mal nas suas peças.

E, no entanto, foram precisamente esses 15 minutos os únicos que se aproveitaram nos 180 mais descontos das duas jornadas agora concluídas.

Tirando aquele quarto-de-hora em que tudo correu bem, o futebol do Benfica tem sido desconexo. Nas ligações entre sectores e dentro dos próprios sectores.

Mais do que saída de Maxi Pereira ou a lesão de Salvio, o futebol do Benfica ressente-se mais pela falta de um avançado com a mobilidade e disponibilidade que Lima trazia ao jogo ofensivo do conjunto. O brasileiro percorria toda a frente de ataque na procura da bola e sabia sempre, depois, onde encontrar Jonas (tal como já o fizera com Rodrigo). E os dois sabiam, depois, contemporizar até às subidas dos alas e até dos laterais.

Agora, tem sido Jonas, alguém sem a mesma disponibilidade física de Lima, a ter de fazer a mesma função para Konstantinos Mitroglou e, eventualmente, para Raúl Jiménez. E estes apenas parecem mexer-se quando a bola passa por perto.

Sem Lima, a pressão alta e sufocante acabou e as equipas adversárias passaram a poder construir os seus ataques a bel-prazer. E isto porque, sem dois avançados pressionantes, dois médios-centro atrás passam a ser poucos para as batalhas do meio-campo quando não têm a posse da bola.

E, sendo eles insuficientes (para mais se os médios-ala não ajudarem ora a fechar ao meio, ora no apoio aos laterais), os adversários atacam pelo caminho mais curto: pelo centro.

Obviamente, um dos centrais tem que subir na tentativa de ajudar a recuperar a bola mais à frente e acaba por desequilibrar a equipa no seu posicionamento, principalmente o da defesa. Aí, ora se explora o espaço momentaneamente desocupado pelo central ou se aposta em carregar o lateral que, entretanto, fora compensar ao centro. E é de onde os cruzamentos mais perigosos têm partido. E, ao meio, o entendimento entre Luisão, Lisandro López e o médio mais recuado (Fejsa ou Samaris) dista anos-luz da perfeição.

A falta de avançados e médios pressionantes traz todos os problemas de posicionamento já mencionados, que acabam por sobrar, depois, para Júlio César.

Não fosse este tratar-se de um guarda-redes de categoria mundial e a atravessar um excelente momento de forma e o Benfica estaria, não a dois, mas a seis pontos do líder Arouca, seu carrasco desta noite, dadas as defesas feitas, também, com o Estoril. E só estranharia quem não tivesse visto os encontros das duas primeiras jornadas.

Só se trata de um problema de jogadores se os avançados tiverem sido mal escolhidos para o 4-4-2 (ou 4-2-4) que vigoraram no consulado de Jorge Jesus. Não pressionando os dois (mesmo que um mais do que outro), os adeptos benfoquistas podem dizer adeus, depois, ao futebol de mobilidade e de vertigem ofensiva.

E não é um problema de jogadores apropriados para determinada táctica, porque paira a sensação de que, passadas duas jornadas e três jogos oficiais, Rui Vitória ainda nem tem bem uma ideia quanto ao modelo de jogo a apresentar.

Apenas se sabe que, quando se encontra a perder (como aconteceu frente ao Sporting e, esta noite, com o Arouca, "coloca a carne toda no assador".

A questão é que as "brasas" não chegam à "carne". Pura e simplesmente porque o "assador" foi, entretanto, apagado por outro comensal (o adversário). Ou não aqueceu o suficiente na preparação ou, pior ainda, nem sequer trabalhou.

quarta-feira, agosto 12, 2015

A fome e a vontade de comer

"Junta-se a fome à vontade de comer" é um dos provérbios mais conhecidos da língua portuguesa e pode muito bem exemplificar como uma aliança supostamente improvável, como a de FC Porto e Sporting, serviu para liderar o apoio e, chegada a altura, as intenções de voto na candidatura de Pedro Proença à presidência da Liga de Clubes.
Uma pessoa bastante entendedora e muito bem relacionada no mundo do futebol português dissera-me, sensivelmente a meio de Junho, que o Sporting se preparava para atacar aquilo que entendia ser o "status quo" do futebol lusitano, propondo e apoiando, primeiro, uma alteração estatutária na Liga de Clubes e, num segundo momento, a candidatura de Pedro Proença à liderança daquele organismo.
Fiquei a pensar no que me dissera, mas, em bom rigor, não fiz muito caso por uma multitude de factores, começando pelo facto de, em entrevista dada em devido tempo ao diário desportivo Record, Proença dissera-se disponível para ajudar o futebol português e, mais que provavelmente, no seio da FPF e do seu Conselho de Arbitragem, assim como nas instâncias internacionais (passou, entretanto, a fazer parte do Comité de Arbitragem da UEFA).
Mas a verdade é que o Sporting e o FC Porto, supostamente desavindos em público, começaram a sua caminhada rumo ao topo das cúpulas do futebol português promovendo, mesmo que através de propostas diferentes embora com o mesmo objectivo, o regresso do sorteio (mesmo que condicionado) dos árbitros. Algo verdadeiramente original entre os principais campeonatos do Mundo e medida que nunca contou com o apoio dos próprios juízes de campo (uma vez que estes defendem a máxima "os melhores árbitros para os melhores jogos") nem mesmo do agora presidente da Liga.




Cantou-se vitória na Assembleia Geral da Liga na qual a medida foi aprovada por maioria, mas mandava a precaução que assim não fosse, uma vez que a medida tinha que passar na Assembleia Geral da FPF, que tem um universo eleitoral completamente diferente. E, em boa verdade, a medida não passou, pelo que ainda não será na nova temporada que se reeditará o sorteio dos árbitros, essa singularidade lusitana.

Tanto FC Porto como Sporting encontraram nas arbitragens os "bodes expiatórios" perfeitos para épocas de (apenas relativo) insucesso (no caso leonino). E urgia terminar com o ascendente do Benfica, para mais após sagrar-se bicampeão nacional.

Vítor Pereira, que durante seis anos, ocupou a liderança do Conselho de Arbitragem, primeiro na Liga e depois na FPF, sem que o FC Porto apresentasse razões de queixa durante todo esse período (ao ponto de, após o adiamento devido ao estado alagado do relvado de um V. Setúbal-FC Porto, curiosamente dirigido por Proença, o presidente do FC Porto ter dito que "estar sempre a falar de árbitros é ridículo e estúpido, mas como há muitos estúpidos vamos continuar a falar disso"), deixou, ao que tudo indica, de servir nos últimos dois anos. E não é difícil adivinhar porquê.

Entretanto, Bruno de Carvalho chegou à presidência do Sporting e, talvez para cair mais rapidamente nas graças dos adeptos, não conseguia evitar falar do rival de Lisboa em boa parte das suas intervenções públicas e, depois, como os resultados desportivos não eram os que desejava para o ressurgimento do leão (principalmente o domínio da Liga NOS pelo Benfica) tratou rapidamente de desvalorizar e desdenhar os feitos deste. Começou por abrir guerras em praticamente todas as frentes (até internas), mas acabou por aliar-se a um dos declarados "inimigos", Jorge Nuno Pinto da Costa, visando derrubar do cadeirão da Liga alguém, Luís Duque, que, entretanto, colocara em causa no seu clube, levando, mesmo, à sua suspensão de sócio e votando ao lado do líder portista na questão do regresso do sorteio dos árbitros.



Quando chegou à presidência da Liga, Luís Duque contou com o apoio de Benfica, FC Porto e Sp. Braga, pelo que boa parte dos observadores entendeu a posição como se tratando de um ataque e uma provocação ao Sporting. Entretanto e uma vez que havia que encontrar justificação externa ao clube para um retorno zero na época que o dragão mais investiu, o FC Porto encontrou em Vítor Pereira (e, por tabela, em Luís Duque) o "bode expiatório" perfeito.

Como tal, nada como promover a candidatura de alguém com quem sempre teve boas relações e que, por seu turno, abomina(va) o presidente do Conselho de Arbitragem, para além de ter relações complicadas com o Benfica. A partir do momento em que Pedro Proença se revelou disponível para presidir à Liga, mercê de uma significativa vaga de apoio capaz de lhe valer a vitória eleitoral, o FC Porto e o Sporting e os clubes que circulam em seu redor, que haviam feito parte da unanimidade na votação da moção de confiança a(o trabalho de) Luís Duque no Conselho de Presidentes de clubes da Liga, mudaram a agulha.

De apito pendurado desde o início do ano, Pedro Proença, entretanto o mais consagrado árbitro português de todos os tempos, seria, também pelas relações privilegiadas com FC Porto e Sporting, clube com o qual trabalhou desde o início de 2015 em "questões de arbitragem", e pela animosidade de que é alvo da parte dos Benfica - em virtude de arbitragens, no mínimo, polémicas em encontros do actual bicampeão nacional, principalmente em dois jogos com o FC Porto - perfeito para ser lançado numa candidatura capaz de arredar Luís Duque da Liga.

Pedro Proença, por seu turno, não demorou a zurzir em Vítor Pereira, figura de quem nunca gostou particularmente. Em Janeiro, em entrevista ao diário Record, não escondeu a sua mágoa por não ter dirigido a final do Mundial 2014, dizendo que tal não aconteceu por falta de peso de Portugal nas instâncias internacionais da arbitragem e porque não se sentia institucionalmente protegido e apoiado pelo Conselho de Arbitragem da FPF, acontecendo o mesmo com a final do Mundial de clubes.

Todavia, uma das razões pelas quais Pedro Proença não dirigiu a final do Maracanã entre Alemanha e Argentina, talvez sendo, até, a principal de todas, foi porque teve um erro com toda a influência no resultado do México-Holanda, dos oitavos-de-final: assinalou uma grande penalidade favorável à Holanda frente ao México (entretanto convertida por Klaas-Jan Huntelaar), já em período de descontos, após um "mergulho" de Arjen Robben (entretanto assumido pelo próprio), bem na frente do árbitro de baliza e do árbitro assistente.


É certo que o mundo da arbitragem em Portugal não é um mar de rosas (bem antes pelo contrário), mas muito já foi feito para dotar os árbitros de elite nacionais das melhores condições possíveis para o desempenho da função, como o lançamento do profissionalismo. Vítor Pereira colocou-se na mira dos críticos com algumas nomeações de árbitros completamente insensatas (se bem que todos os árbitros da 1ª categoria têm, na teoria, condições para dirigir qualquer jogo), as classificações dos árbitros pelos observadores regem-se por critérios que pouco ou nada têm de transparentes e a possibilidade de as notas dos relatórios poderem ser alvo de revisões propostas pelos clubes serve como eventual forma de condicionamento de futuras arbitragens.

A juntar a isto, há a assinalar a despromoção de escalão do árbitro internacional Marco Ferreira e a sua nomeação para dirigir a final da Taça de Portugal, sabendo Vítor Pereira a sua classificação antes de nomear o funchalense para a decisão do Jamor. Marco Ferreira era (ou ainda é) um excelente juiz de campo (que, por sinal, teve a pior nota da época quando dirigiu um escaldante Sp. Braga-Benfica com vitória dos bracarenses) e foi, por isso, com enorme espanto (para mais, após ter dirigido e bem a final da Taça de Portugal) que se ficou a saber da sua despromoção de escalão, como corolário de uma péssima média de notas da parte dos observadores de árbitros.

Os lados verde e azul não demoraram a encontrar nexos de causalidade entre duas derrotas do Benfica em jogos dirigidos por Marco Ferreira e a despromoção do juiz. Aqueles clubes que apoiaram com sucesso uma candidatura à presidência da Liga visando a potenciação e maximização do produto-futebol e a recuperação da credibilidade são aqueles que, depois, levantam suspeição, como no caso de Marco Ferreira, contribuindo ainda mais para a descredibilização do mesmo produto que visa(va)m voltar a credibilizar.

Sejamos claros. O problema do futebol português nunca foi a Liga em si. Essa sempre foi mais um pretexto e um campo de batalha. Os problemas têm estado invariavelmente relacionados com os chamados "jogos de poder" (sempre envolvendo os "grandes"), visando - apesar da enumeração de outras intenções sempre edificantes - principalmente, o controlo da arbitragem. Isto por os mal-sucedidos candidatos ao título considerarem que tem sido por culpa dos homens do apito que não têm cumprido os seus objectivos (o actual vice-presidente do Benfica, Rui Gomes da Silva, andou muito calado estas duas épocas que passaram, independentemente de a razão lhe assistir de forma pontual, logo ele que era o mais vocal dos críticos das arbitragens nacionais).

E, face ao clima existente e às constantes queixas de arbitragem dos lados vermelho, verde e azul (principalmente quando não ganham), à violência fora de campo que tem marcado alguns "derbies", é natural que se considere que o futebol português seja falho de credibilidade, com dirigentes de clubes sem qualquer elevação, com discursos belicistas e, no fundo, pouco preocupados com a constante desvalorização do "produto-futebol", com jogos habitualmente disputados em estádios vazios (excepto quando actuam os chamados "grandes") e com resultados falseados, através de arbitragens tidas, em algumas situações, como pouco isentas. O caso de Marco Ferreira foi apenas mais um que surgiu que só penaliza a imagem generalizada que se tem do futebol português.

Pedro Proença teve um discurso de tomada de posse mobilizador, mas, mais do que o praticamente impossível trabalho de voltar a unir todos os clubes em seu redor, se atendermos aos resultados das eleições para a presidência da Liga (venceu com apenas 58,8% dos votos, sendo que os votos dos clubes da Liga NOS valiam a dobrar), encontrará dificuldades em fazer melhorar a imagem da Liga NOS no exterior, para uma eventual comercialização dos direitos televisivos e, com isso, aumentar as receitas dos clubes que nela participam.




Ainda assim, desejo a Pedro Proença toda a sorte do mundo - para bem da melhoria do futebol português no seu todo - para a tarefa hercúlea que se prepara para enfrentar. Desejo-o, embora tenha seríssimas dúvidas que consiga ter os resultados que se propõe a atingir, mormente enquanto persistirem certas mentalidades caciquistas, personificadas e defendidas por dirigentes mais preocupados em salvar a própria pele do que em defender os interesses que afirmam querer valorizar.